A Primeira Guerra Mundial causou profundas transformações no cenário político, social e econômico mundial. Segundo algumas estimativas, os diversos confrontos ocorridos ao longo desses quatro anos foram responsáveis pela morte de cerca de oito milhões de pessoas. Além disso, cerca de 20 milhões sofreram algum tipo de seqüela em conseqüência do conflito. Paralelamente, os prejuízos econômicos trazidos aos países envolvidos foram enormes.

Cerca de um terço das riquezas acumuladas pela Inglaterra e pela França foram perdidas com a Primeira Guerra. O parque industrial europeu foi quase reduzido pela metade e o potencial agrícola sofreu uma queda de 30%. A Europa deixava de ser o grande símbolo da prosperidade capitalista, estando atolada em dívidas e observando a desvalorização de suas moedas. Foi a partir de então que os Estados Unidos alcançaram a condição de grande potência.

Apesar de também ter sofrido com um significativo número de baixas e gastar aproximadamente 36 bilhões de dólares, os EUA tiveram suas compensações. No ano posterior à guerra, o país triplicou suas exportações em comparação ao ano de 1913 e a renda nacional atingiu um valor duas vezes maior. Ao mesmo tempo, outras nações que não se envolveram diretamente no confronto também ganharam com a Primeira Guerra. Os países não-industrializados ampliaram as exportações de gêneros agrícolas e matéria-prima.

 

Além disso, a retração econômica européia serviu para que algumas dessas nações – como o Brasil – pudessem ampliar suas atividades industriais substituindo internamente os mercados outrora controlados pelas nações européias. No Oriente, o Japão lucrou com o domínio sobre os mercados do Pacífico e no incremento de sua produção de algodão e aço. No plano político, a Europa começou a sofrer uma verdadeira crise de valores. Em meio às desilusões de um continente destruído, as tendências comunistas e fascistas começaram a atrair boa parte da população. Ao mesmo tempo, tendo caráter extremamente punitivo, os tratados que deram fim à Primeira Guerra incitaram um sentimento de ódio e revanche que, algumas décadas mais tarde, prepararam o palco de uma nova guerra.

 

 

                          TIO SAM SE ARMA

Depois de ataques submarinos, Estados Unidos declaram
guerra à Alemanha – Aliados comemoram adesão da potência – Germânicos
confiam em ação de U-boats nos mares para conquistar a vitória

 

 

é outro dia, não havia dúvidas da validade do provérbio que ensinava: quando um não quer, dois não brigam. Mas, em tempos de guerra, até mesmo os mais dogmáticos ditos populares acabam caindo por terra. Agora sabe disso o presidente americano Woodrow Wilson. Ele tentou, com todas as forças, manter-se fora da peleja aliada contra a Alemanha. Desde 1914, vinha deixando passar batido o terror marítimo contra seus conterrâneos em nome do não-intervencionismo. Foi reeleito, no fim do ano passado, sob a égide da “paz com honra” e do bordão “ele nos manteve fora da guerra”. Mas os germânicos seguiam procurando encrenca.

Em janeiro, recomeçou a execrável tática de guerra submarina irrestrita, o que fez os Estados Unidos cortarem relações diplomáticas com Berlim em fevereiro. Ainda assim, no discurso inaugural de seu segundo mandato, no início do mês passado, Wilson tentou dar mais uma chance à neutralidade. Mas já era tarde. As notícias recorrentes de afundamentos de embarcações americanas, aliada à repercussão da divulgação do chamado telegrama Zimmermann, fizeram Woodrow recolher a bandeira branca. No último dia 6 de abril, o Tio Sam declarou guerra à Alemanha – e anexou, em definitivo, o adjetivo “mundial” ao grande conflito que já dura quase três anos.

 

“A neutralidade não é mais aceitável ou desejável quando a paz do mundo está envolvida e a liberdade de seus habitantes está em xeque. O mundo deve estar pronto para resguardar a democracia, e sua paz deve ser cultivada nas fundações da liberdade política”, justificou Woodrow Wilson em sua preleção pró-guerra perante o Senado, em 2 de abril. “Trata-se de uma guerra contra todas as nações. O desafio é para toda a humanidade. Cada nação deve decidir como encará-lo. Nossa motivação não é vingança ou uma demonstração da força de nossa nação, mas sim o triunfo do direito, do direito humano. Estamos no começo de uma era na qual devemos insistir que os mesmos padrões de conduta e de responsabilidade pelos erros aplicados para cidadãos de estados civilizados devem ser observados por todas as nações e governos.”

Tio Sam: cartaz para recrutar soldados

Como não poderia deixar de ser, o anúncio foi recebido com festa pelos aliados, que encaram a chegada da mais nova potência “associada” – para manter sua independência militar, os Estados Unidos não entrarão oficialmente na coligação aliada – como a peça que faltava na engrenagem para derrubar a Alemanha. O exército do Tio Sam ainda é pequeno (menos de 150.000 homens prontos para o combate, somados a outros 150.000 de meio-período pertencentes à Guarda Nacional, que podem ser requisitados). Washington, contudo, já começa uma gigantesca campanha de recrutamento, que prevê a transferência de 2 milhões de soldados à França até o final do ano que vem.

 

Será também muito bem-vindo o reforço da marinha ianque, com sua moderna frota de navios de guerra –a aliança com a Grande Frota da Grã-Bretanha, tida como a mais formidável dos sete mares, deverá enterrar em definitivo o sonho da Alemanha de conquistar os oceanos com sua Frota de Alto-Mar. Por último, e não menos importante, os aliados contam com força da pujante indústria americana para impulsionar suas economias de guerra.

“A bandeira estrelada irá tremular ao lado da tricolor. Nossas mãos se unirão e nossos corações baterão em uníssono”, bajulou o primeiro-ministro francês, Alexandre Ribot. “A poderosa e decisiva assistência que os Estados Unidos nos traz não é apenas material; será uma ajuda moral, acima de tudo, uma verdadeira consolação.” Em exercício de futurologia, seu colega britânico, David Lloyd George, em discurso no Clube Americano de Londres, no dia 12, garantiu que a chegada dos Estados Unidos liquida a fatura. “Já vejo a paz chegando – não a paz que será o começo de uma guerra, nem a paz que será uma preparação sem fim para mais derramamento de sangue, mas uma paz real.

 

Hoje lutamos a mais devastadora guerra que o mundo já viu; amanhã – um amanhã talvez não tão distante – a guerra poderá ser abolida para sempre da categoria dos crimes humanos”, previu o primeiro-ministro galês, aproveitando para espezinhar o inimigo. “Acho que os conselheiros militares alemães já devem estar percebendo que atrair os Estados Unidos para a guerra foi um daqueles trágicos erros de avaliação que leva ao desastre e à ruína.”

 

Risco calculado – Berlim, contudo, sabia exatamente que suas ações ilegais nos mares seriam altamente impopulares entre a população norte-americana – e poderiam, para não dizer deveriam, chamar mesmo a potência ocidental para a batalha. Porém, desde o ano passado, era consenso na cúpula militar tedesca que a vitória contra os aliados começava com o reinício da campanha irrestrita dos submarinos U-boat – a covarde prática de afundar navios mercantes em águas internacionais sem nenhum aviso prévio, contrária às regras de conduta de guerra, que obrigam a nave atacante permitir a saída da tripulação em botes salva-vidas antes dos balázios fatais dos canhões. Ao longo de 1915, diversos navios mercantis e de passageiros foram a pique, atingidos por U-boats germânicos – incluindo o Lusitania, que ia de Nova York para Liverpool e vitimou 1.201 passageiros, 128 deles americanos. A animosidade dos EUA com a tragédia esfriou depois que a Alemanha cessou a prática e voltou a respeitar o código naval.

Entretanto, no último mês de dezembro, o chefe do Estado-Maior alemão, almirante Henning von Holtzendorf, apresentou ao governo a estratégia de minar a Grã-Bretanha pela fome: caso os alemães atacassem os suprimentos marítimos que chegavam à ilha, na ordem de 600.000 toneladas mensais, em cinco meses as reservas britânicas secariam e uma rendição seria inevitável. Além disso, o bloqueio naval impediria o envio de carvão britânico para a França e Itália, enfraquecendo também as duas aliadas. O sucesso dessa linha, porém, só viria com o retorno do afundamento irrestrito – a ousada campanha começou a ser levada aos mares em 1º de fevereiro, um dia depois de a Alemanha informar aos Estados Unidos sua nova estratégia. A reação negativa dos americanos era prevista, e nem mesmo a ameaça de despertar os Estados Unidos da letargia e trazê-los para a batalha tirava o sono dos mandatários germânicos. Sobre isso, o almirante alemão Eduard von Capelle, secretário de Estado para a Marinha, foi direto, ainda em janeiro: “Os americanos nem mesmo chegarão, porque nossos submarinos irão afundá-los. Do ponto de vista militar, os americanos não significam nada, nada, e mais uma vez, nada.”

Mesmo assim, talvez por precaução, ainda em janeiro deste ano, Berlim propôs ao México, em troca do apoio latino-americano à causa alemã, a devolução de um grande naco do território ianque, incluindo o Texas, o Arizona e o Novo México. A proposta foi feita um telegrama assinado pelo Ministro do Exterior Arthur Zimmermann – mensagem essa interceptada pela inteligência britânica e entregue ao presidente Woodrow Wilson no último dia 24 de fevereiro. A publicação da carta na imprensa americana, em 1º de março – três dias antes do discurso inaugural do segundo mandato do presidente –, alimentou ainda mais a causa intervencionista e provou que a neutralidade não poderia ser sustentada por muito mais tempo. No lado alemão, porém, o episódio não levou a nenhuma mudança de planos. Pelo contrário: a segunda vaga de ataques submarinos irrestritos está superando a expectativa de von Holtzendorf, de acordo com os últimos relatos.

Iscas nos mares - Em fevereiro, os U-boats alemães meteram a fundo 520.412 toneladas brutas de suprimentos; em março, o número subiu para 564.497, e agora, em abril, até o fechamento desta edição, foi registrado o afundamento de nada menos do que 860.333 toneladas – quase 50% a mais do que a meta inicial de 600.000. Se continuar nessa toada, a Grã-Bretanha pode capitular antes mesmo da chegada do reforço dos Estados Unidos. A questão aterroriza o Almirantado, que busca soluções para evitar o desastre. Armar os navios mercantes, como já está sendo feito há tempos, é inútil, já que os U-boats, atacando submersos, só são vistos depois de já terem feito o estrago. A aplicação de navios-isca (os chamados “Q”) também não surtiu o efeito esperado. A última alternativa é a navegação em comboio com escolta, mas o Almirantado, até agora, resistia à prática, por achar que os navios ficam ainda mais expostos. Sem outra opção, porém, o comando naval autorizou a partida do primeiro comboio no final do mês.

Ofensiva: U-boat afunda navio dos EUA

Britânicos cruzam os dedos para que o sistema funcione e possa reverter o momento favorável aos U-boats, já conhecidos como “assassinos dos mares”. Enquanto os velhos rivais europeus parecem mais preocupados em comemorar, cada um por suas razões, os Estados Unidos trabalham para recrutar homens para a recém-formada Força Expedicionária Americana – que ficará sob o comando do obstinado general John Pershing. Apenas no primeiro mês de alistamento, houve uma enxurrada de voluntários, muitos visivelmente não aptos ao serviço militar, o que fez Washington estudar a adoção de um recrutamento seletivo. O enorme número de inscrições mostra que as bem-escolhidas palavras de Woodrow Wilson tiveram eco entre a população. “Teremos meses de cruel provação e sacrifício pela frente. É algo temeroso convocar este povo pacífico para a guerra, para a mais terrível e desastrosa de todas as guerras, que ameaça a própria civilização”, bradou. “Mas o direito é mais precioso do que a paz, e devemos lutar pelo que sempre carregamos no coração – pela democracia, pelo direito daqueles que se submetem a uma autoridade a ter voz em seu próprio governo, pelos direitos e liberdades de pequenas nações. A essa tarefa devemos dedicar nossa vida e nosso destino, tudo que somos e tudo que temos, com o orgulho daqueles que sabem que chegou o dia no qual os Estados Unidos têm o privilégio de derramar seu sangue pelos princípios que os fundaram e que os deram alegria e paz.” Pelo visto, o presidente é daqueles que dá um boi para não entrar na briga – e uma boiada para não sair. Para sorte dos aliados, este é um ditado que ainda parece continuar de pé.